faz tempo que não dou as palavras por aqui. como você está? tá com tempo livre? eu também não. eis a ironia de estar escrevendo esse texto depois de meses sem conseguir enviar uma newsletter mais robusta. escrevo isso entre lacunas irregulares do dia-a-dia. 13 minutos entre uma reunião e o horário de sair de casa. 8 minutos de um curta exibido para os alunos na sala de aula. 19 minutos antes de sair para a apresentação de meu sobrinho.
sempre achei essa exatidão quebrada do tempo curiosa. gosto de arredondar minhas previsões para múltiplos de 5 – “em 10 minutos tô aí”, “falta cerca de 30 minutos”. só que às vezes umas irregularidades escapam por entre os dedos. quando tinha carro e ia buscar minha amiga para irmos para o trabalho, ligava para avisar que estava chegando “no tempo de uma música”. se a música era i'll call u back ou bohemian rhapsody, ficava sob interpretação dela. ao negociar com meus sobrinhos o tempo entre terminar a brincadeira e ir pro banho, vemos quem banca a aposta. sugiro 5 minutos. 10! 6. 8? 7. fechado!
engraçada a forma que a gente inventa pra lidar com o tempo, né? tentamos dobrar, esticar, negociar, reservar. a verdade é que temos as mesmas 24 horas num dia – e prometo que falo isso sem intenção de soar como coach de instagram. é que, quase universalmente, estamos submissos a esse mesmo calendário civil gregoriano, não é?
já que o papa é um assunto que tá em voga, vale lembrar que foi o papa gregório xiii que ajustou o calendário juliano, que era o usado na época (lá nos idos de 1582), principalmente porque a igreja queria determinar corretamente a data móvel da páscoa. as diferenças em relação ao ano solar, o ano bissexto, as regras de anos seculares e anos divisíveis por 400 – tudo isso foi pensado a partir da páscoa cristã.
e cá estamos, séculos depois, ainda submissos a essa forma de contar o tempo. corpos dóceis são, antes de tudo, corpos sincronizados. corpos que são obedientes ao tempo do capitalismo. é, foucault, o poder disciplinar tá aí.
das coisas que mais gosto no verão, além de poder ir pra praia com mais frequência, são aqueles dias de recesso entre um ano e outro em que o tempo deixa de seguir essa ordem sistêmica e estrutural e vira algo intuitivo. eu acordo de manhã não porque eu preciso trabalhar ou ir para algum lugar, no susto de um despertador, mas porque o sol deixa a cama quente e eu penso em como vai ser gostoso ir pra praia, me refrescar no mar e sentir o sol sobre a pele, lendo um livro ou escutando música no fone. eu tiro um cochilo depois de um banho e preparo uma comida sem pressa. eu decido mudar os móveis de lugar porque me deu vontade. eu dou uma volta pra ver o pôr-do-sol e escrever num caderninho enquanto vejo a vida passar. eu reparo que a lua está cheia no caminho de volta pra casa e decido tomar um banho de folhas porque meu corpo quer alento. eu penso: vou sentir falta de ter esse tempo pra mim quando a realidade bater na porta.
quando entramos no outono e no inverno (e aqui em salvador isso quer dizer chuva), sinto vontade de focar na escrita, na leitura, na criação artística. percebo essas mudanças no meu corpo, na minha energia, nos meus desejos. isso sem falar de como nós, pessoas menstruantes, sentimos cada fase do ciclo de forma diferente. posso estar mais cansada quando estou para menstruar, mas é um momento ótimo para revisar textos. seria ótimo poder seguir esse ritmo que a gente tem dentro, sem o constante tic-tac do relógio ofegante em nosso pescoço. porque, no fim das contas, os primeiros relógios públicos nas cidades industriais inglesas foram instalados para disciplinar os trabalhadores.
na itália, cuja história é marcada por diversos conflitos e movimentos revolucionários pautados pela classe trabalhadora – com destaque especial para a região sul da península –, há uma expressão que acho linda e talvez tenha sido a primeira centelha que me levou a, anos mais tarde, querer aprender a falar a língua italiana: il dolce far niente.
a expressão significa, basicamente, “a doçura de não fazer nada”. tenho visto algumas pesquisas que falam sobre como a concentração e a atenção tem diminuído nos últimos anos. sobre como desaprendemos a ter tédio. diante desse sistema que nos adoece, precisamos ser lembrados que o ócio não precisa ser produtivo. que o tempo da espera entre uma coisa e outra é importante.
pra marguerite duras, a espera é sempre a espera do amor. e é curioso como temos nos tornado incapazes de habitar a espera, de experimentar essa espera sem vê-la como uma lacuna de tempo a ser preenchido.
nos últimos anos, tenho feito um esforço consciente de estabelecer um limite para o trabalho e as demandas, sempre que possível, e reservar tempo para ver amigues e família, para fazer as coisas que eu gosto, pra descansar, pra passar o tempo devagarinho.
no início foi difícil lidar com a autocobrança, mas, aos poucos, fui melhorando nisso.
tem dias que eu até tenho algum tempo sobrando.
mas aí, como um ato de resistência, eu prefiro o dolce far niente.
fontes e inspirações: 1 | 2 | 3 | 4
muita coisa tem acontecido por aqui com os projetos e a vida profissional e acadêmica. vou atualizar vocês bem rapidinho: teve estreia oficial de 56 dias e bate-papo com equipe, continuamos com a distribuição e em breve esperamos disponibilizar o curta virtualmente; tivemos também a estreia de menarca em salvador e agora estamos levando o filme para as escolas públicas da cidade! estamos pensando em como viabilizar essa expansão do filme para outros lugares, mas se quiserem exibir menarca na cidade de vocês, podem acessar o site da distribuidora, olhar filmes!
nos últimos meses, tive a honra de participar de duas salas de roteiro comandadas por marcelo lima, a do longa a morte e o renascimento de lampião e maria bonita e da série damiano. tais amordivino também fez parte dessas duas salas e eu mal posso esperar por mais projetos junto com esses dois <3
recentemente participei do congresso de cinema espectral e paisagens contestadas em são paulo, com um trabalho que propõe uma constelação de três filmes – noche de fuego (2021), la teta asustada (2009) e canción sin nombre (2019) – para observar as reverberações da violência colonial sobre os corpos e os desejos das mulheres latino-americanas, entre fantasmas do medo e realismos fantasmagóricos.
no mais, sigo focada no doutorado, que tem se movimentado bastante por aqui. em breve posso trazer mais do processo dele pra cá! talvez eu tenha esquecido de comentar por aqui entre a correria das demandas e a doçura de não fazer nada, mas estou atualmente trabalhando como professora substituta de cinema e audiovisual na facom/ufba. tem sido muito bom voltar para a faculdade onde me graduei, agora do outro lado da sala de aula, e as trocas com os alunos tem sido enriquecedora demais. depois conto mais!
eu tô aqui pra jogar conversa dentro
enquanto lá fora o trajeto é inverso
tô aqui pra jogar conversa dentro
cê tá com tempo?
essa ideia de falar mais sobre os meus processos acadêmicos foi inspirada pela newsletter de minha colega de doutorado e amiga pessoal, ale olinda. vocês podem acompanhar a newsletter dela por aqui!
falando em marcelo lima, ele tem jogado duro na criação de conteúdo lá no instagram. se vocês tem dúvidas ou curiosidade de saber como é a vida de um roteirista, sigam ele :)
outra indicação de amigues, mas dessa vez que me deram: o podcast e o blog de andreone medrado, que fala sobre sociedade, subjetividades humanas e relações afetivas na contemporaneidade. estou atualmente maratonando os episódios do podcast – obrigada pela rec, mamô!
o instituto serrapilheira está com chamada aberta para podcasts! confira aqui a chamada e se inscreva até o dia 30 de maio!
nas últimas semanas, recebi de várias pessoas um vídeo sobre bruxas serem cervejeiras. tentei encontrar fontes pra essa informação porque fiquei curiosa, mas tive dificuldade. por sorte, a pesquisadora inês barreto foi mais longe e encontrou a resposta. leiam o texto dela aqui!







