retalhos #06: a construção do verde
sobre as nuances, representações e possibilidades de se verdejar
oieee *com intenção de pedir desculpas* 😬
faz algum tempo que não apareço nas caixas de entrada de vocês, né? talvez tenham dado pela minha falta, talvez não tenham nem percebido, mas eu estive completamente consciente desta ausência. tinha me acostumado a sentar a bunda uma vez por mês pra escrever um texto para essa newsletter e esse hábito ritualizado estava fazendo maravilhas pro meu processo de escrita. infelizmente, a vida aconteceu no meio do caminho. no meu caso, uma gripe de quase dez dias, uma mudança de apartamento com direito a uns serviços de ajustes, um breve período de exaustão extrema e o início de uma fase de pesquisa gravada pro meu documentário (mais sobre ele na seção seguinte).
contudo, aqui estou. viva, perseverante, esperançosa. não sei, acho que passado o período de exaustão, ando me sentindo meio verde – no bom sentido da palavra.
o que nos leva ao tema desta newsletter. no que pensamos quando pensamos em verde? talvez hoje em dia a resposta pareça um pouco óbvia. pensamos na natureza, nas árvores, nas plantas, na floresta. pensamos em esperança, saúde, frescor, equilíbrio, harmonia. mas o verde, como tudo no mundo, é uma construção. e como construímos o verde que conhecemos hoje?
pra quem gosta de etimologia, como eu, a palavra verde vem do latim vivere, que significa verdejar. verdejar é o que fazem os vegetais que tem o pigmento da clorofila e, com o processo de fotossíntese, absorvem a luz nos comprimentos de onda azul, violeta e vermelho, refletindo a cor verde.
o ciano e o amarelo, quando unificados, também verdejam. a esmeralda, mineral nobre variado do berilo, quando possui certa quantidade de crômio e vanádio em sua composição, também verdeja.
verdejam também o mar e os insetos; as estrelas e a maior parte dos mamíferos, não, infelizmente, mas os humanos verdejam.
ficam verdes de inveja, verdes de ciúmes, verdes de enjoo. somos verdes quando somos inexperientes, ingênuos, imaturos.
para goethe, verde seria a cor mais repousante; e, para van gogh, a cor das terríveis paixões humanas.
verde é a cor da fita no cabelo descrita por guimarães rosa, ou a verdura de paulo leminski e cantada por caetano veloso, ou a cor do panóptico de luiz fernando de souza. verde é o manicômio narrado por machado de assis em o alienista. verde é a fantasia e o baile contados por lygia fagundes telles e a cor do inferno de leslie kaplan. o verde para belchior são as fileiras do milho-verde que ondeia e a saudade do verde marinho. pra luiz gonzaga, verde é a cor dos olhos que se espalha pela plantação.
para os antigos egípcios, o verde era o vigor, a boa saúde, a proteção e o mar, que era o "grande verde". verde é também a cor histórica do islã, representando a cor da abundante vegetação do paraíso e da água que mata a sede no deserto. na maior parte da ásia, verde é a cor da fertilidade e da felicidade.
o verde nos indica quando há natureza, quando há proteção ambiental, quando podemos seguir em frente, quando temos permissão de passagem. verde é a cor da sorte, a cor daquilo que é fresco e novo.
para artistóteles, o verde indicava o meio do caminho entre o preto, que simbolizava a terra, e o branco, que simbolizava a água. para os romanos, verde era a cor de vênus. para os filósofos, o verde da natureza já foi símbolo de instinto e sentimento.
mas o verde nem sempre esteve presente no nosso imaginário popular, pelo menos não da forma como está hoje. isso porque era uma cor muito difícil de se extrair o pigmento para usar como tinta, e embora muitos povos conseguiram extrair pigmentos para tingir suas roupas, esses extratos vegetais e minerais desbotavam e não mantinham o verde exuberante por muito tempo.
essa dificuldade de fabricar a cor verde fazia com que ela fosse associada à grandeza – no egito antigo, muitas divindades eram retratadas com a cor de pele verde, que era também a cor associada ao renascimento e à regeneração. na renascença e na idade média, o verde era a cor utilizada por comerciantes, banqueiros e pequenos-burgueses.
até que em 1775, o químico sueco carl wilhem scheele criou um pigmento conhecido como verde scheele, muito popular durante a era vitoriana; e um pouco mais tarde outro pigmento, conhecido como verde paris, foi criado.
acontece que os dois tinham compostos tóxicos – o verde scheele é atribuído por alguns como uma causa da morte de napoleão bonaparte (que deve ter pelo menos 37 teorias diferentes sobre sua morte espalhadas por aí) e o verde paris foi apontado como causa da diabete de cézanne e da cegueira de monet. triste, porque a cor verde era comumente usada na época para pintar as paredes dos quartos de crianças, levando muitas delas a morrerem intoxicadas, e passou a ser considerada um símbolo de veneno.
incrível pensar em como, ao longo da história, o verde já foi associado à incerteza, à luxúria, à perigo, a um papel secundário, à calma das paixões humanas e à natureza.
mas o verde que colore a vegetação foi replicado em cédulas de dinheiro e o verde se tornou grana, dólar, riqueza, ambição, ganância. o verde do dinheiro mimetiza o verde da natureza, um toma o lugar do outro como um doppelgänger. o verde se torna a destruição do próprio verde.
o verde do campo some, como também some do prato.
o verde da floresta desaparece, o dos agropecuários verdeja.
o verde dos mais pobres se acaba, o dos mais ricos se multiplica.
o grande verde volta a separar os povos, volta a significar perigo de morte.
é com esse verde que se colore a criação de frankenstein, os alienígenas, os dragões, as serpentes, o monstro do lago ness?
seria o verde a cor que eternamente ecoa nas nossas imaginações e projeções de futuros possíveis, mesmo que em formas diferentes?
desculpa, kandinsky, se eu não acho o verde tedioso e passivo, ou um repouso indesejado.
o verde genuíno me traz alegria, o verde mimético me traz tristeza. o verde dos campos, das florestas, das águas e dos sorrisos é felicidade. o verde dos bilionários, dos agropecuários, dos perigos de atravessar fronteiras é tristeza.
o verde é a minha cor preferida (e, descobri há pouco tempo, a de lygia fagundes telles também) e a cor que escolho, muitas vezes, para me rodear. as nuances do verde são tantas que me pego pensando nas suas inúmeras possibilidades. suas cores, seus cheiros, suas texturas, seus sons.
tem dias que o verde pra mim é o cheiro do orvalho que umedece a grama e deixa o pulmão inflado de ar, outros que o verde é o cheiro do coentro fresco na tábua de corte. tem dias que o verde é a sensação de estar flutuando nas águas calmas do oceano quando a maré tá baixa, outros que o verde é o som das folhas se cumprimentando umas às outras quando um vento se anuncia, fazendo elas dançarem.
parece que o verde continua sendo um pouco instável, afinal de contas.
ainda bem.
semana passada partimos pra mais uma etapa da pesquisa de personagens do documentário menarca, dirigido por mim, sobre a menstruação que marca a passagem da infância para a adolescência. realizamos algumas rodas de conversa com jovens soteropolitanas que recentemente tiveram sua primeira menstruação. foi demais ver como todas ficavam nervosas quando entravam na sala, mas rapidinho perdiam a timidez quando a conversa avançava. cada uma tinha uma experiência e uma relação com o próprio sangue, mas todas terminavam a conversa querendo que durasse mais, que mais tempo fosse passado partilhando experiências. um processo importante pra gente encontrar nossas protagonistas e também pra construção do doc ❤️
em breve mais novidades sobre o filme nessa seção, que é justamente pra compartilhar os avanços que os projetos vão tendo do lado de cá :)
verde as matas no olhar / ver de perto / ver de novo um lugar / ver adiante
sede de navegar / verdejantes tempos / mudança dos ventos no meu coração
a distância me impediu de ir ver, mas fiquei apaixonada pela exposição botannica tirannica, de giselle beiguelman, no museu judaíco de são paulo, sobre o rebatizamento de plantas nativas com nomes misóginos, racistas, antissemitas e preconceituosos. vai até o dia 19 de setembro, então se estiver em sp vai lá ver!
verde, natureza, naturismo – fiz essa associação livre pra falar que meu amigo rafael saraiva fez uma lista no letterboxd de filmes que trazem uma ou mais cenas de práticas naturistas.
falei de cobras ali em cima e lembrei de uma pesquisa que diz que elas são predominantes em sonhos (talvez pesadelos?) no mundo. tem um mapa bem legal em cima dessa pesquisa, que não me parece lá com a melhor das metodologias, mas mostra que a maior parte do butão sonha com arco-íris 🌈🤏🥺
há alguns meses, o burquinês diébédo francis kéré se tornou o primeiro arquiteto negro a ganhar o prêmio pritzker de arquitetura 2022. seus projetos são pensados para e feitos em conjunto com as comunidades locais, assim como os materiais que são utilizados para as construções.