retalhos #13: a solidão exige aprender outras línguas
sobre um miado, a falta de palavras e as lacunas do silêncio
atenção: vou contar uma história vergonhosa que aconteceu comigo durante o isolamento pandêmico. devia ser meados de outubro de 2020, a gente estava isolado desde meados de março. eu passei o isolamento sozinha no meu apartamento, na companhia de minhas duas gatas. no tédio da repetição de rotinas e na ansiedade das incertezas daquela época, tinham dias que eu não abria a boca pra falar com ninguém. meu pai me ligou de tarde, não lembro sobre o que conversamos. sei que em algum momento durante a conversa, levantei para fazer alguma atividade doméstica e, distraída, quando ele me fez uma pergunta, eu respondi… com um miado.
houve uma pausa, acho que nem ele nem eu acreditamos que eu realmente tinha miado ao telefone. eu lembro dele brincar que eu estava conversando demais com minhas gatas e, depois disso, demos risada.
eu ainda penso nessa história quando bate uma sensação de solidão – afinal, é inevitável não nos sentirmos sós em algum momento da nossa experiência humana, né?
uma vez, numa sessão de terapia, tentei diferenciar as experiências de solidão e solitude. a solitude é algo que a gente busca, que a gente precisa de vez em quando. já a solidão simplesmente acontece, acomete a gente como uma tempestade violenta.
a solitude nos dá, a solidão nos tira.
a solitude oferece, a solidão exige.
tenho aprendido que a solidão exige aprender a falar outras línguas.
a língua dos gatos, a língua das plantas, a língua das estrelas. a língua do silêncio.
a solidão pode ser uma manifestação de muitas coisas. ela pode ser uma consequência, mas pode também ser uma causa. quando me sinto só, penso na jessica watson, que aos 16 anos deu a volta ao mundo velejando completamente sozinha por 210 dias. penso em assata shakur, que passou 21 meses em confinamento solitário. penso em greta garbo, que passou a maior parte da sua vida reclusa, mesmo como uma das atrizes mais famosas do cinema. penso nas estrelas, que daqui de baixo parecem tão perto umas das outras, mas estão isoladas flutuando na nossa galáxia. penso nos ursos, que são os animais carnívoros mais solitários que conhecemos (se você não contar o megatubarão).
a solidão é capaz de abrir uma ruptura no espaço-tempo, porque nos inspira a preencher o espaço vazio, a fazer nascer vozes da quietude.
a solidão é um canto mudo capaz de ser ecoado.
eu não tinha achado a fonte pra mandar na newsletter anterior, mas tá aqui o texto que eu falei sobre outras espécies desenvolverem exoesqueletos como os dos caranguejos 🦀✨
o livro escrever, de marguerite duras, fala bastante sobre o ato da escrita, mas também sobre a necessidade da palavra, especialmente quando estamos diante da solidão. recomendo demais – tem uma tradução desse texto, de rubens figueiredo, disponível aqui também.
recentemente li um livro que adorei, autobiografia de um polvo e outras narrativas de antecipação, de vinciane despret. é uma coleção de três histórias diferentes que misturam estudos científicos sobre animais e a área de therolinguística, inventada por ursula k. le guin no texto a autora das sementes de acácia. fala bastante sobre invenção e evolução de linguagens, tentativas de tradução e os limites de nossa compreensão.
tenho curtido demais o som do duo dj sabrina the teenage dj, uma dupla eletrônica londrina que usa os pseudônimos dj sabrina e dj salem. se já tinham me ganhado pelo som, a marca e a estética então 🤌👌
falando em pessoas solitárias, lembrei do protagonista de mr. robot. vocês já viram a série? se não, por que tão perdendo tempo???
Nossa amiga, gostei demais desse texto. Te amo!