gosto muito do ritual da virada de um ano pro outro, aquela ilusão de que teremos uma página em branco pra preencher de forma mais organizada e bem diagramada. para uma pessoa neurótica obsessiva como eu, o ano novo é um prato cheio.
mas vou confessar que desde o ano passado eu mudei a forma como encaro meu planejamento anual. tenho me esforçado para ser mais generosa e carinhosa comigo mesma, com os meus processos e com o tempo das coisas.
por isso, esse ano, decidi que a cartografia que escolhi para o meu ano é cultivar a paciência selvagem.
inspirada em um poema de adrienne rich (integrity, que começa com a belíssima frase: a wild patience has taken me this far…), senti que esse tema seria importante para que eu me lembre de ter calma e persistência, mas que também esteja consciente de que não posso domesticar meus sentimentos e meus desejos.
quero andar firme, com confiança nos caminhos que percorro, de sentir aquele prazer infantil e deslumbrado a cada passo novo que se aprende.
talvez o gostoso de um novo ano seja exatamente isso. saber que novos passos virão e que isso significa que as coisas, e nós, vamos mudar também.
como não consegui fazer isso no ano passado, fiz um inventário de algumas indicações de coisas que vi, li e ouvi em 2023, caso precisem de algumas dicas para 2024:
stane (2023, dir. antoneta alamat kusijanović) – adorei esse curta que acompanha o dia de uma mulher que está prestes a assumir os negócios da família. gostei especialmente da direção e dos figurinos. assista se: você gosta de dramas protagonizados por mulheres.
the silent twins (2022, dir. agnieszka smoczyńska) – não sei se já falei aqui do quanto eu adoro o trabalho de smoczyńska, mas acho ela uma das diretoras mais interessantes que temos atualmente. se não assistiram nada dela ainda, recomendo começarem por esse filme, baseado na história real de duas gêmeas que fizeram um pacto de silêncio por anos. assista se: você gosta de filmes de yorgos lanthimos.
huesera (2022, dir. michelle garza cervera) – estava doida pra ver esse filme pela similaridade de temas e elementos com um outro projeto que tenho, e adorei a perspectiva de uma diretora mexicana. assista se: você gosta de o babadook.
utama (2022, dir. alejandro loayza grisi) – fiquei encantada com esse filme boliviano que foi a estreia de loayza grisi na direção. é um daqueles filmes mais lentos, então vá avisado, mas eu amei. a fotografia e a direção foram destaques pra mim. assista se: se você gosta dos filmes de paz encina.
seance (2021, dir. simon barrett) – senti que precisava colocar mais um filme de terror nessa lista e, como talk to me já foi bem divulgado por aí, recomendo esse. é meio terror psicológico, meio slasher, meio giallo, eu particularmente achei muito divertido. assista se: você quer ver uma versão moderna de um giallo.
nũhũ yãgmũ yõg hãm: essa terra é nossa! (2020, dir. sueli maxakali, isael maxakali, carolina canguçu e roberto romero) – esse documentário acompanha o povo maxakali, que até hoje luta pelo seu território no vale do mucuri. é uma cartografia audiovisual pelos direitos dos povos tradicionais às suas terras. assista se: você quer ouvir sobre os conflitos que acontecem em terras indígenas da perspectiva de povos indígenas.
swarm (2023) – alguém aí assistiu essa minissérie? porque até agora não encontrei ninguém pra conversar sobre e achei muito legal a forma como construíram a história e a temporada. devorei em umas duas sentadas, recomendo assistir sem saber nada da sinopse. assista se: você gosta de atlanta e beyoncé.
caminhando com os mortos, micheliny verunschk – sou apaixonada pela prosa de micheliny verunschk. o som do rugido da ronça ainda é meu preferido dela, mas caminhando com os mortos também é sensacional na abordagem dos temas de religião, violência e fanatismo. leia se: você gosta dos livros de carla madeira. verunschk tem outra voz, é claro, mas é igualmente potente e também vai enramando várias tramas uma na outra.
our wives under the sea, julia armfield – esse livro é narrado através de duas protagonistas, uma mulher que trabalha em um submarino que, do nada, afunda durante uma missão; e a esposa que a espera em casa, sem notícias de sua companheira. quando sua mulher finalmente volta à superfície, ela não parece mais a mesma. leia se: você gosta de livros melancólicos, de realismo fantástico e ficção especulativa.
bunny, mona awad – em um curso de escrita numa universidade de prestígio, uma jovem fica obcecada com um grupo de colegas que se chamam de bunny. é uma mistura de heathers, garotas malvadas e jovens bruxas, se essa mistura tivesse roteiro de diablo cody e direção de agnieszka smoczyńska. leia se: você gosta de literatura contemporânea, terror, narrativas um pouco estranhas e narradores à beira de um colapso nervoso.
angu de grilo – gosto muito das conversas e abordagens de flávia oliveira e isabela reis sobre os mais diversos temas desse podcast. adoro ouvir quando estou fazendo coisas pela casa e ainda me pego conversando com elas. escute se: você gosta de ouvir as notícias mais importantes da semana em um tom informal e com posicionamentos bem embasados.
caso das 10 mil – não vou mentir pra vocês, esse podcast é difícil de escutar. da médica da clínica clandestina que aproveitava o desespero de mulheres com gravidezes indesejadas e cobrava valores altos até os relatos das mulheres que foram processadas por terem sido pacientes da clínica, essa reportagem conta a história do maior processo judicial sobre aborto do brasil. escute se: você não se lembra ou não conhece o caso em que milhares de pacientes de aborto foram investigadas e, muitas delas, processadas.
tô desde o ano passado ouvindo essa música quando preciso de um mantra. compartilho com vocês caso precisem de um também :)